Um Artista do Mundo Flutuante | Kazuo Ishiguro

Título Original: An Artist of the Floating World
Autor: Kazuo Ishiguro
Tradução: 
José Rubens Siqueira
Ano: 2018
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 225

Masuji Ono, em sua juventude promissora, repleta de sonhos, planos e ideologias, enfrentou os preconceitos e aspirações do pai comerciante para seguir carreira como pintor. As dificuldades do ofício, carência de acomodações de qualidade e cobrança por quantidade de quadros produzidos não foram capazes de reduzir a paixão e talento do jovem que, perseverante, recebe uma oferta para unir-se ao grupo de aprendizes de um renomado pintor local.

A notoriedade de suas obras e o contato com pensamentos nacionalistas logo direcionam o foco de Masuji Ono para a defesa do governo Imperial, da mesma forma, funcionam como forte propaganda para os ideais que permeavam o imaginário japonês no contexto dos acontecimentos que influenciaram ou vieram a determinar as consequências sofridas pelo Japão após o término da Segunda Guerra Mundial.

“Hoje em dia vejo isso o tempo todo ao meu redor; alguma coisa mudou no caráter da geração mais nova de uma forma que não compreendo inteiramente, e certos aspectos dessa mudança são inegavelmente perturbadores.”

Agora aposentado, com uma filha casada e tendo iniciado as negociações para o casamento de sua segunda filha, o velho pintor recorda o passado com carinho, desconfiança e reflexão, contrapondo os pensamentos de sua geração com aqueles pertencentes aos jovens japoneses. Com frequência retoma a influência que possuiu enquanto lecionou artes na Universidade da cidade, relembra os ideais debatidos e difundidos juntamente a seus discípulos, indaga-se sobre o destino de tantos japoneses que conheceu ao longo dos anos e questiona-se sobre a forma com que os eventos do passado são capazes de influenciar o desenrolar do presente.

Assim, através dos pensamentos de um velho pintor que viu mudanças drásticas ocorrerem em seu país, acompanhamos as transformações de pensamentos, atitudes e relações humanas, sendo capazes de refletir não apenas sobre a alteração na cultura de um país, mas também nos valores que delimitam o imaginário de sua população.

Kazuo Ishiguro, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2017, ressalta, por meio de sua escrita belamente simples e reflexiva, a passagem do tempo, as transformações de uma sociedade, os pensamentos que possuem impacto decisivo sobre o destino de uma nação. Porém, da mesma maneira magnífica com que apresenta detalhes de um momento histórico, reflete também sobre a chegada da velhice, a nostalgia que surge ao relembrar eventos do passado, ou mesmo as relações que foram corroídas pelo tempo ou por pensamentos que já não condizem mais com as personalidades que um dia os defenderam.

Ainda que a narrativa apresente pouquíssima contextualização histórica para um leitor ocidental que, apesar das breves pinceladas efetuadas em diversas aulas de história, dificilmente compreenderá por completo os elementos e eventos destacados ao longo do livro, este mesmo detalhe não passa de mais um impulso para a busca de informação e conhecimento acerca de um período que, por mais abordado que seja, ainda encontra-se repleto de pensamentos pré-concebidos e visões que não são capazes de levantar por completo um momento cheio de camadas. Assim, Kazuo Ishiguro planta, no decorrer de sua história sobre velhice, mudanças de pensamento e consequências de um período histórico, a semente da curiosidade em um leitor que pouco sabe sobre essa versão dos fatos.










Livre de grandes reviravoltas, aventuras fantásticas e tramas surpreendentes, Um Artista do Mundo Flutuante demonstra ao leitor um lado muito mais sensível, simples e reflexivo da literatura. Sua narrativa não cobra conhecimento científico do leitor, da mesma forma como não exige uma experiência extensa com obras do gênero. Mas pede, com delicadeza, que o leitor perceba as nuances da vida ao longo da obra, as mensagens que permeiam todo e cada evento que marca nossa trajetória, além do impacto que muitas vezes possuímos e, nem mesmo nos damos conta, sobre a vida dos outros.

Kazuo Ishiguro, em seu segundo romance, trabalha a memória, o passado, bem como, o próprio envelhecer de um pintor renomado no Japão do período que se estende entre a Segunda Guerra Mundial e suas consequências para a sociedade japonesa. Com frequência nosso protagonista, assim como muitos de nós, perde a noção da verdade em meio às lembranças, porém, não deixa de produzir reflexões pertinentes, além de outras fortemente ligadas a quem foi um dia, sobre os eventos do passado. Apesar da escrita acessível e narrativa reflexiva e sensível, este talvez não seja o romance mais indicado para aqueles leitores que, embora não conheçam as palavras do autor, mal podem esperar para se apaixonar por sua obra, porém, não deixa de ser outra história repleta de significados, capaz de ressaltar, uma vez mais, o talento deste autor.

21 comentários

  1. Nunca li nada do autor e teria me enganado, segundo teus comentários, em achar que a narrativa mostraria muito da cultura e costumes do oriente. De qualquer forma acho que a linguagem e modo descrita ja seria uma nivinovipra mim. Confesso que a resenha em si, mostra um livro comum sem muita expectativa, mas que pode ser delicado e cheio de mensagens, levando o leitor a uma introspecção, gostei.

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    1. O Kazuo tem um jeitinho todo especial de transformar a histórias mais "simples" ou "comuns" em algo mais, em uma trajetória que apresente alguma coisa para o leitor além da mera informação histórica ou cultural !!!
      Quanto mais leio suas obras mais me encanto por suas palavras. Com certeza é um autor que vale a pena ser conferido !!!

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  2. Não é a toa que Kazuo ganhou tal prêmio e com louvor. O autor consegue jogar literalmente o leitor em enredos que sempre juntam passado, presente e futuro. Em uma forma poética e ao mesmo tempo, tão perto da nossa realidade.
    Ainda não pude ler este trabalho do autor, mas li inúmeras coisas positivas sobre a beleza e simplicidade desta obra. Não é apenas o Ono que volta ao passado, mas cada um que se permite ler tal livro.
    Está na lista de desejados e espero ler em breve!!
    Beijo

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    1. É verdade mesmo, a escrita do Kazuo tem um tom poético, uma beleza que vai além da história, ela se insere nos mínimos detalhes e se torna difícil não se deixar levar por suas obras !!!
      Já estou aqui torcendo para que tenha a chance de conferir esse livro !!! ;)

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  3. Olá, ainda não tive o prazer de conhecer a escrita de Ishiguro, porém fico cada vez mais animado quando leio uma resenha de uma obra sua. É perceptível que o autor possui um domínio tão grande da arte de escrever que o leitor rapidamente se vê envolvido no meio da trama, ainda que um pouco perdido por não conhecer alguns fatos referentes ao oriente que Kusuo insiste em colocar na história para deixar sua marca (algo que parece ser comum do autor). Enfim, ainda que não entregue algo inovador, o autor impressiona por levantar questionamentos em segundo plano que se encaixam muito bem no contexto da narrativa. Beijos.

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    1. Quanto mais leio Ishiguro, mais e mais sinto vontade de conhecer suas outras obras !!! Sua escrita é maravilhosa, muitas vezes delicada até com os assuntos mais difíceis !!! Com certeza é um autor que eu gostaria que todos tivessem a oportunidade de conhecer !!!
      Espero que algum dia tenha a chance de ler algo do autor, já vou ficar aqui na torcida !!!

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  4. Ainda não li nada do autor, mas tenho muito interesse em ler. Parece ser uma historia muito bonita e simples que conquista o leitor, relembrando do passado, acho que nos deixa pensando sobre o nosso também e as escolhas que fizemos, o que elas acarretaram. Saber sobre os acontecimentos e mudanças que o pintor presenciou deve ser muito interessante.

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    1. Kazuo é um autor maravilhoso !!! Se tiver a oportunidade de conhecer alguma de suas obras por favor, aproveite !!!
      Ele possuí uma escrita tão bela, delicada e cativante a sua própria maneira, que chega a ser difícil não se deixar levar !!!

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  5. Izabel!
    Gosto muito de livros que trazem a cultura asiática e principalmente a japonesa, porque é algo tão diferente so que convivemos em nosso dia a dia, tantas regras e tradições a serem cumpridas e tudo tão fascinante. Sem contar com o drama e todo plot paralelo do livro, fiquei encantada, apesar de suas pequenas ressalvas.
    Desejo uma semana feliz!
    “Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes.” (William Shakespeare)
    cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA OUTUBRO - 5 GANHADORES – BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!

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    1. Também gosto muitíssimo de obras que apresentam outras culturas, principalmente quando nos mostram elementos, situações ou períodos dos quais pouco conhecemos. Elas demonstram mais do mundo né ?! Nos ensinam um pouquinho mais e por isso se tornam tão especiais !!! *-*
      Apesar de ressaltar um período que, no meu caso pelo menos, pouco conhecia, esse livro é maravilhoso !!! Vale a pena ser lido !!!

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  6. Não conhecia o autor, mas se ganhou o prêmio Nobel de literatura só pode ser incrível! Vou procurar seu primeiro romance! *-*

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    1. Espero que se apaixone pela escrita do Kazuo tanto quanto eu me apaixonei !!!

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  7. Me parece uma grande leitura, só de abordar a visão do artista por meio da pintura, já podemos conhecer mais de sua vida, como que superou as dificuldades e foi em frente em busca do que gosta e acredita. A capa está linda!!

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    1. Essa capa é um amorzinho só né ?!
      E estou amando que a Companhia está seguindo um padrão para os livros do Kazuo, assim fica como se todos pertencessem a mesma coleção !!! *-*

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  8. Oi! Ainda não li nenhum livro do autor e não conhecia seu trabalho. Achei super legal ele ter ganho o prêmio nobel, o que mostra a qualidade de sua escrita. Gosto muito quando o autor menciona outras culturas, aparecem coisas muito diferentes, realidades que a gente nem imagina. Parece ser uma historia que comove com as lembranças do personagem sobre as escolhas que fez. A edição é linda!

    Bjoxx

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    1. O Kazuo é um amor só !!! A cada obra que leio mais e mais tenho certeza de que ele faz parte da minha lista de autores preferidos !!! ^-^
      Se tiver a oportunidade de conhecer suas histórias aproveite, vale a pena !!!

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  9. Oi, Izabel!!
    Gostei muito da indicação do livro, pois da para notar que o autor saber como trazer uma boa história para o leitor. Fiquei bem curiosa para ler essa obra do Kazuo, por que adoro ler livros que falem sobre a cultura oriental.
    Bjos

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  10. Já ouvi falar muito bem do autor, porém ainda não li nada ainda. Esta obra parece muito boa e a edição está lindíssima, aquelas capas que só de ver já dá vontade de comprar, haha. Ótima indicação, me deu mais vontade de conhecer a obra do autor.

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  11. Nunca tinha ouvido falar do autor mas achei interessando o modo de escrita dele, eu achei os detalhes da capa bem legal. Eu confesso que nao leio muito livros que são mais sensíveis e que tragam reflexão, estou até precisando pegar um livro nesse estilo.

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