Resenha: Enclausurado

Título Original: Nutshell
Autor: Ian McEwan
Ano: 2016
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 200
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Não é novidade para aqueles que me acompanham a mais tempo, que tenho uma queda enorme, um favoritismo absurdo e uma paixão avassaladora por William Shakespeare! Porém, este amor pela obra do dramaturgo vai muito além de suas peças ou sonetos, ele se expande para as adaptações cinematográficas, as séries inspiradas em suas narrativas mais famosas (como essa aqui), chegando até mesmo àquelas obras literárias que possuem reflexos do mundo que esse maravilhoso escritor deixou para trás. 

Foi por causa de todo o meu amor, meu fascínio pela obra do dramaturgo, pela promessa de uma história clássica explorada através de um prisma moderno, foi pela presença de um personagem principal inusitado, que decidi me aventurar pela trama de Enclausurado. Hoje, após muito refletir e relembrar, compartilho com vocês meus pensamentos sobre a mais nova obra de Ian McEwan.

“Alojado onde estou, sem nada para fazer a não ser crescer meu corpo e minha mente, absorvo tudo, até mesmo as idiotices – que é o que não falta. ”

Enclausurado irá se utilizar de uma trama clássica. Talvez uma das mais apropriadas e reinterpretadas, repaginadas e admiradas, àquela que deu origem a tantas obras fascinantes, muitas das quais se tornaram favoritas dessa, nada suspeita, pessoa que vos fala. Encontraremos aqui o roteiro de Hamlet, porém desta vez, com um olhar diferenciado e até certo ponto, repaginado. Sendo assim, não se trata de um spoiler quando digo que a narrativa irá girar em torno da estratégia pensada por Trudy e Claude para assassinar John, ex-marido de Trudy, irmão de Claude e pai do filho que Trudy carrega em seu ventre.


A diferença desta obra para o original, escrito por William Shakespeare, está no fato de que nosso narrador e personagem principal é um feto esperando por nascer. Desta forma, se torna praticamente impossível a busca por vingança, já que estamos falando de um personagem que sequer nasceu. Mas onde a narrativa se inspira em Hamlet para criar sua história principal, ela conquista aspectos nunca antes vistos, devido a sua abordagem e foco diferenciados. 

Um bebê de quase nove meses, preso dentro da barriga de sua mãe, se transforma em narrador e personagem principal. Sua amada mãe, aquela que lhe garante o dom da vida, a sobrevivência até o momento do nascimento, conspira e planeja o assassinato de seu próprio pai, pai este que provavelmente nunca chegará a conhecer. É através das percepções desse futuro ser humano, de seus pensamentos e reflexões, do que ele pode compreender através de sua posição privilegiada e ao mesmo tempo debilitada, através de tudo aquilo que acontece no mundo exterior que nos inserimos na narrativa e acompanhamos o desenrolar dos fatos. Porém a beleza e o fascínio da obra se encontra nos detalhes, nas pequenas coisas que somente um feto poderia proporcionar.

“Mas os não nascidos são estoicos, têm um semblante sério de Budas submersos, sem expressão. Ao contrário dos bebês chorões, que pertencem a uma casta inferior, aceitamos o fato de que as lágrimas fazem parte da natureza das coisas. ”

Muito mais do que observar uma trama antiga sob novo prima, uma história repaginada e transportada para outro tempo e espaço, Enclausurado altera o foco da história que lhe deu origem. Onde Hamlet apresenta a busca pela vingança, um filho que perde o pai, a tortura de um ser humano tomado pela obrigação, rancor e vontade própria, aqui encontramos a contextualização dos assassinos, as motivações mesquinhas e absurdas, os pensamentos de um filho que ainda não conhece o mundo. Onde Hamlet conquista o leitor pela nobreza, pela existência de um personagem único que deve honrar a morte de seu pai, Enclausurado nos mostra o outro lado da moeda, com seu personagem impotente, dois amantes terríveis e a busca por dinheiro.


Após tudo o que já destaquei, arrisco-me ao dizer que o trunfo deste livro está na estratégia inusitada e mais do que acertada de se utilizar um feto como personagem principal. Somente com o contato direto com o livro se faz possível entender as possibilidades que essa estratégia garante, as maravilhas que este tipo de narrador proporciona. Através de um ser humano que ainda não nasceu, Ian McEwan é capaz de refletir sobre a sociedade atual, inserir críticas à nossos modelos econômicos, nossas guerras sem sentido, nossos pensamentos fundados em perspectivas falhas do mundo em movimento. Através do olhar de alguém que observa o mundo de “fora”, percebemos a liberdade alcançada e as possibilidades adquiridas. Por não viver, diretamente, em nosso mundo, por não enfrentar as mais terríveis e difíceis situações, o ser que está por nascer possuí a vantagem de refletir e criticar nossos erros e omissões, e em meu humilde olhar, essa estratégia não têm preço!

“Se os corpos, as mentes e os destinos humanos são tão complexos, se temos mais liberdade do que qualquer outro mamífero, porque limitar o espectro de possibilidades? ”

Apesar de todos os pontos positivos, das maravilhas que encontrei nessa narrativa, do encanto que tive por seu narrador, não posso negar que a obra possuí momentos em que questionamos o que está sendo feito em matéria de direcionamento e escrita. Enclausurado apresenta, em mais de um momento, cenas desnecessárias, situações que não acrescentam em nada a trama. Mas onde existem erros existem muito mais acertos, e são esses acertos que nos encantam. O novo olhar, a estratégia inusitada e maravilhosa, as críticas e reflexões, cada detalhe maravilhoso inserido na trama tornam a obra uma experiência interessante. Quando se tem apenas o espaço restrito de uma casca de noz, as impressões vindas de um mundo desconhecido, e a coragem de mesmo assim seguir em frente, é possível encontrar a maior mensagem de todas, e esta, o autor soube explorar muito bem.

12 comentários

  1. Izabel!
    Já sou bem fã de releituras, porque trazem sempre uma visão diferenciada do original.
    E aqui o autor foi bem feliz em se utilizar de um feto como narrador de uma história clássica de Shakespeare.
    Fiquei fascinada com sua resenha e toda explanação que fez sobre o livro, obrigada!
    “Qualquer situação na qual você se encontre é um reflexo exterior do seu estado interior de existência.” (El Morya)
    FELIZ 2017!
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de JANEIRO dos nacionais, livros + BRINDES e 3 ganhadores, participem!

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    1. Olá Rudynalva, tudo bem ???
      Ao contrário de ti, não sou uma grande fã de releituras, rsrsrs. Algo dentro de mim diz que isso não deveria acontecer, é mais um problema da minha cabeça do que um preconceito por releituras, hahaha. Mas confesso que estou começando a me arriscar, principalmente por conta de Enclausurado !!! ^-^
      Fico muito feliz por saber que gostou da resenha. O feedback de vocês é muito importante para mim !!!

      Beijinhos

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  2. E muito difícil eu me interessar por releituras, ainda mais quando o livro e um clássico como esse. Mesmo assim me peguei curiosa em relação a narrativa enclausurada, de um bebê nove meses dentro da barriga da mãe que planeja o assassinato do pai. Essa deve ser uma leitura e tanto, mesmo tendo alguns pontos em que a leitura se arrasta, ainda sim senti interesse e vontade de ler o livro.

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    1. Oi Lana, tudo bem ???
      Fiquei muito feliz por saber que se interessou pelo livro !!!
      Enclausurado é um livro único, diferente de muitas coisas que vinha lendo até então, vale muito a pena, nem que seja para descobrir um pouco mais dessa história pensada pelo autor !!!
      Espero que tenha a chance de conferir a obra !!! ;)

      Beijinhos

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  3. Eu havia visto a sinopse desse livro muito antes dele ser lançado em português, mas essa é a primeira resenha que de fato leio! Releituras de Clássicos quando bem feitas são sempre muito bem vindas, e esse parece ser o caso de Enclausurado! Meu único contato com a escrita de Ian McEwan foi através do sensacional Reparação, que tive a oportunidade de ler à alguns anos atrás. O escritor é famoso por alguns dos seus livros terem alguma pitada de espionagem, e esse, de uma forma bem peculiar não parece fugir a regra. Achei genial a idéia da história ser narrada por um bebê que embora não seja mais um feto, ainda não nasceu, além de levantar as questões existências e impressões do bebê. Adorei sua resenha Isabel, e agora, mais do que nunca, quero desesperadamente ler esse livro, mesmo porque, Hamlet e meu personagem Shakespeariano favorito! Beijos!

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    1. Olá Jacqueline, tudo bem contigo ???
      Que legal !!! No caso desse livro, só descobri quando ele foi lançado aqui no Brasil, mas sempre fico um pouco mais ansiosa quando descubro os livros quando ainda não foram lançados por aqui, rsrsrs. XD
      Confesso que esse foi meu primeiro contato com o autor, mas adorei o que encontrei. Ainda pretendo buscar outras obras dele, não sabia desse detalhe da espionagem ser um tema frequente nas obras do autor, fiquei ainda mais curiosa !!!

      Beijinhos

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  4. Amei a resenha. Primeira que leio com tanto aprofundamento.
    Não li nada do autor, ainda, mas pretendo mudar isso esse ano, provavelmente com este livro ♥

    Adorei!!

    Bjkss

    Lelê

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    1. Oie, oie, oie !!!
      Muito obrigada viu. Fiquei muito feliz por saber que gostou da resenha !!! ^-^
      Espero que tenha a oportunidade de conferir a escrita do autor !!!

      Beijinhos

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  5. Já tinha visto esse livro na livraria mas não conhecia a trama,
    Amo Hamlet e fiquei muito curiosa para saber como seria essa releitura na visão de um feto!
    O autor pode ter enrolado em algumas cenas mas acho que ele acertou ao escolher esse narrador inusitado né,
    Beijoos,
    Sétima Onda Literária

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    1. Oi Mandy, tudo bem ???
      Com certeza ele acertou ao escolher esse narrador inusitado. A obra é única e diferente por conta disso, sem falar de todo o talento do autor !!!
      Fiquei feliz por saber que também gosta de Hamlet !!! Adoro a história, e sou apaixonada pela coitada da Ofélia. Adoro descobrir outros leitores que também curtem essa trama trágica de Shakespeare !!!

      Beijinhos

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  6. Oi!
    Sempre vejo muito comentários e referencias as obras de Hamlet, o que me deixa muito curiosa para poder ler, ainda não li nada desse autor, mas esse livro dele logo me chamou atenção, achei muito intrigante temos um feto como narrador principal, o que já despertou minha curiosidade e se tiver oportunidade com certeza irei ler esse livro !!

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    1. Oi Suzana, tudo bem ???
      Fiquei muito feliz por saber que se interessou pelo livro. Espero que tenha a oportunidade de ler essa obra. ^-^

      Beijinhos

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